segunda-feira, 29 de novembro de 2010

MAIS UMA VÍTIMA

  Paulo Nogueira Batista Jr.

Eu já disse e volto a repetir: a turma da bufunfa é a grande praga do mundo contemporâneo. Nada e ninguém consegue superá-la ou mesmo igualar os seus feitos destrutivos. Desde 2008, o estrago provocado por essa confraria atingiu proporções inimagináveis, principalmente nos países desenvolvidos e na periferia emergente da Europa. A Irlanda, completamente quebrada e arruinada, é a última vítima dos desmandos financeiros.
Na raiz da crise mundial está a hipertrofia do sistema financeiro nas décadas recentes. Os fluxos de capital, os movimentos financeiros e os ativos dos bancos aumentaram dramaticamente como proporção da atividade produtiva e das transações comerciais. Grande parte dessa atividade financeira ocorreu à margem da regulação e supervisão por parte dos governos e bancos centrais.
A Irlanda é um dos casos extremos. Lá, os ativos do sistema bancário correspondem a quase cinco vezes o tamanho do PIB do país. Nessas condições, uma crise bancária é capaz de arrasar a economia do país e as finanças públicas. E foi o que aconteceu.
A hipertrofia financeira não é um fenômeno estritamente econômico (não existem, aliás, fenômenos estritamente econômicos). Junto com o peso econômico aumentou o peso social e político dos bancos e de outras instituições financeiras privadas. Evidentemente, uma coisa alimentou a outra.
Governos, partidos políticos, parlamentares, mídia - todas essas esferas ficaram sob a influência de Wall Street e suas contrapartes no resto do mundo. Produziu-se enorme concentração de renda e de poder. Jovens executivos de bancos, muitos deles despreparados, passaram a dar as cartas em grande parte do planeta. Circularam por toda a parte vendendo ilusões e pirâmides especulativas.
Essa hipertrofia do poder financeiro é, diga-se de passagem, uma dimensão de um fenômeno muito mais amplo, identificado por Nelson Rodrigues, como "o triunfo do idiota". O destino de sociedades inteiras passou para as mãos de uma geração de empresários e lideranças sem visão e sem escrúpulos. O mais grave é que quase todos os países desenvolvidos permitiram essa especulação desenfreada. Não é por acaso que a economia mundial atravessa crise tão profunda e prolongada.
Digito essas frases e paro. De repente, percebo que estou usando, aqui e ali, um tom e uma ênfase inapropriados para uma coluna de jornal. Desculpem. Volto à Irlanda.
Os dados macroeconômicos irlandeseses parecem saídos diretamente da ficção científica. A recapitalização dos bancos exigiu gastos equivalentes a nada menos que 20% do PIB! O déficit público deve alcançar o valor estarrecedor de 32% do PIB em 2010. Calcula-se que a relação entre a dívida pública e o PIB, que era da ordem de 25% antes da crise, chegue a cerca de 100% neste ano. Tudo isso depois de um ajuste fiscal feroz em 2009 e 2010 (muito elogiado por outros países).
A tentativa de socorrer os bancos, desde 2008, quebrou o Estado. Os bancos irlandeses eram grandes demais para falir e grandes demais para serem salvos pela Irlanda. A única saída foi pedir apoio à União Europeia e ao FMI.
Os irlandeses passam momentos terríveis. A economia foi atingida por uma recessão de rachar quarteirão desde 2008. O nível de atividade vem caindo há nove trimestres consecutivos. A economia sofre uma tendência à deflação, com o nível geral de preços ao consumidor caindo em 2009 e 2010. A taxa de desemprego triplicou, aproximando-se de 14%. Não há recuperação à vista.
É o preço que se paga por confiar demais na abertura financeira, nos bancos e nas finanças globalizadas.
 
 
 
Publicado no jornal “0 Globo”em 27 de novembro de 2010  
 
 
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.
 
E-mail: paulonbjr@hotmail.com
Twitter: @paulonbjr    

domingo, 21 de novembro de 2010

O PAPEL DE LULA NO GOVERNO DE DILMA

2010 - 09:18

Blog de Ricardo Kotscho

Num ponto, pelo menos, as personalidades de Lula e Dilma são muito semelhantes: os dois são teimosos, não gostam muito de ouvir palpites e conselhos, e apreciam exercer a autoridade, às vezes de forma brusca, deixando claro quem manda.
Por isso mesmo, não dou crédito a esta história de que o governo Dilma será apenas um terceiro mandato de Lula com outro nome. Quem diz isso não conhece a Dilma nem o Lula.
Claro que o futuro ex-presidente estará sempre à disposição da presidente eleita para colaborar, ajudar na articulação política e nos momentos de crise, mas só quando for chamado por ela, por iniciativa dela, jamais dando uma de oferecido. Não é do feitio dele.
Os dois têm grande respeito e admiração um pelo outro _ Lula pela gestora Dilma e Dilma pelo líder político Lula. O atual presidente não atropelaria a autoridade de quem foi eleita por indicação dele mesmo para exercer o poder central em seu lugar. Até seus piores inimigos concordam que Lula pode ser chamado de tudo, menos de burro.
Dilma tem plena consciência de que deve o mandato a Lula e será fiel aos princípios do atual governo, que deverá manter, em especial na política econômica. Ninguém, nem eles, pode ter absoluta certeza sobre o futuro, mas não acredito num possível rompimento entre criador e criatura, como muitos já especulam, e outros nem disfarçam a torcida para que aconteça.
Até porque, um continua dependendo muito do outro: Dilma depende do apoio de Lula para governar em paz com seus aliados e Lula precisa que o governo Dilma dê certo para preservar sua credibilidade, a própria imagem e a do seu governo.
Por isso mesmo, e mais duas razões bem simples, Lula não deverá voltar a se candidatar em 2014:
* Se o governo Dilma for um sucesso, ela certamente será a candidata natural do PT à reeleição.
* Se tudo der errado, a imagem de Lula também será abalada porque, afinal, ele foi o mentor e o fiador da eleição de Dilma.
Mesmo na remota hipótese de vir a ser candidato e de ser eleito, Lula sabe que correria o sério risco de perder, num eventual terceiro mandato, o prestígio que conquistou nos dois primeiros, chegando a mais de 80% de aprovação popular _ o que é inédito e não deverá se repetir tão cedo. Seu lugar na história já está garantido. Para que arriscar?
Pelo menos nos primeiros tempos do governo Dilma, depois de um breve descanso, Lula deverá se dedicar mais a fazer política lá fora do que aqui dentro do país. O instituto que pretende criar tem como principal foco levar a experiência das políticas públicas e dos projetos sociais do seu governo para países pobres da América Latina e da África.
Além disso, Lula terá que correr o mundo em 2011 para receber dezenas de títulos de “doutor honoris causa” que lhe foram outorgados ao longo destes últimos oito anos. Por razões que desconheço, ele deixou para receber todos só depois de deixar o governo. O metalúrgico vai virar “doutor Lula”…

sábado, 20 de novembro de 2010

FUNDAMENTALISMO DA TRISTEZA

Carlos Diegues, 19 nov 2010

Como o mundo não está nada fácil e a humanidade ainda não se acostumou às novidades, nunca se escreveu tanto sobre felicidade, como vou fazer agora. A soberania iluminista, que se impôs ao longo dos últimos três séculos, nos iludiu com a possibilidade de termos o controle de tudo; e, de repente, não sabemos como agir diante da evidência de que nada obedece ao roteiro traçado por nossas crenças.
De nada adiantou Spinoza nos alertar, no início da idade da razão, para o fato de que a natureza não tinha nenhum plano para a humanidade. Como nada adiantou Charles Darwin nos explicar com quantos acasos se fez a vida como ela é. À tradição do humanismo cristão se somou o cristianismo laico das ideologias redentoras que apontam para o fim triunfal da história, no paraíso dos justos, na sociedade sem classes ou na harmonia com a natureza.
Com isso, desprezamos a importância de nossos pobres sentimentos. Eles seriam comandados por fatores externos, revoluções da matéria ou do espírito que nos levariam a um futuro bem-estar qualquer. Verdade e Realidade se tornam deidades, indiscutíveis e únicas, que norteam nosso comportamento no mundo.
É verdade que Freud e Einstein, cada um em seu ramo de negócios, popularizaram dúvidas em torno dessas ideias. Mas eles não viveram o suficiente para compreender que mesmo o relativo é relativo e nada será mesmo para sempre. Se não tivessem contado a Édipo que Jocasta era sua mãe, os dois teriam vivido felizes, com seus quatro lindos filhinhos, o resto de suas vidas.
Nossa vontade vale muito pouco. Ou, no limite, muito menos que nosso desejo. Sendo a vontade um exercício intelectual em nome de um projeto e o desejo uma necessidade a que só os santos resistem, como no capitalismo visto por Lacan.
Einstein e a ciência quântica abriram nossos olhos para o fato de que realidade e verdade são apenas uma relação entre o observador e a coisa observada. Como escreve Marcelo Gleiser, nosso grande astrofísico e ensaista, “a objetividade imparcial se torna obsoleta, já que mente e realidade se tornam inseparáveis”. O que desmoraliza o terrorismo crítico e seu rigor caricato – o  que ele pensa estar na obra, está muitas vezes em sua própria mente.
A confiança total na razão, como se coubesse exclusivamente a ela iluminar nosso caminho com seus potentes faróis de absoluto, secou nossas almas de tanta coisa que nossos ancestrais usaram tanto para podermos chegar até aqui. Em seu livro mais recente, o filósofo francês Edgard Morin (que, aliás, teve um papel importante na construção do cinema moderno) declara que hoje, vivendo num planeta tão pequeno e tão superpovoado, alvos de informações inclementes das quais nem sempre necessitamos, só nos resta a solidariedade pura e simples, sem prévio conteúdo ou estratégia estabelecidos.
No último Festival de Cannes, alguns jornalistas europeus (sobretudo franceses) começaram a questionar a tristeza dos filmes contemporâneos na moda, o pessimismo e o elogio da impotência que atravessavam grande parte dos melhores filmes ali exibidos, a começar por alguns que seriam premiados no final do certame. O que chamei de fundamentalismo da tristeza, uma fé dogmática no fracasso da humanidade e em sua incapacidade de seguir em frente. Assim, só é contemporâneo aquilo que for triste, só é iluminado aquilo que apontar para a escuridão.
Ainda bem que, logo depois de Cannes, fomos convidados para participar do Festival Lumière, na cidade francesa de Lyon, onde o cinema foi inventado em 1895. Este festival, dedicado à projeção popular de filmes antigos, recuperados e restaurados em diferentes países, seria aberto pela exibição de uma cópia nova de “Cantando na Chuva”, o musical clássico dos anos 1950, de Gene Kelly e Stanley Donen (que, com quase 90 anos de idade, estaria presente à sessão).
Ali, no Halle Tony-Garnier, um secular abatedouro transformado em arena pública de espetáculos, eu e Renata, minha mulher, nos juntamos a 5 mil pessoas que celebravam juntas o simples fato de estarem vivas e poderem dançar, aplaudindo aos gritos e assobios cada novo número musical. Esse prazer que estamos aprendendo a perder, na solidão de nossos home-theatres, na melancolia de nossos estreitos multiplexes.
A meu lado, um velho amigo, o cineasta italiano Marco Tulio Giordana, com lágrimas nos olhos, me dizia que “esse filme era de quando a gente achava que o mundo tinha jeito”. Pois bem, o mundo não tem mesmo jeito, sempre foi e sempre será assim. E a humanidade também não é lá grandes coisas. Mas foi nele e com ela que nos foi dado viver, é com ambos que temos que negociar convivência e sobrevivência.
O homem feliz é um mito da adolescência da humanidade. O que existe são momentos de felicidade e de infelicidade, com duração variável. O que nos cabe é fazer com que esses momentos durem mais ou menos, conforme nossos desejo e preferência. Dante Alighieri nos informou que o inferno é aquele lugar em que, ao entrar, você deixa a esperança na porta. O inferno, portanto, é a ausência de esperança.

carlosdiegues@uol.com.br

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

OPINIÃO PÚBLICA

Quando há interesse em dominar algum assunto, logo se invoca o apoio da "opinião pública" e daí se coloca como a maioria estaria de acordo com esta ou aquela posição.
Em "O Globo" de hoje a coluna de Merval Pereira/PSDB/DEM coloca como a CPMF estaria sendo rejeitada com vigor pela "sociedade", só que o grupo a que se refere é composto pela FIESP, OAB e as elites de direita radical representadas pelo PSDB/DEM, sempre deixando de fora as maiorias que integram as classes C, D e E.
A mídia representada pelas organizações Globo, Estadão, Folha de São Paulo, revista Veja, etc. tenta em todos os momentos convencer que eles são a "opinião pública", o que fez o Presidente Lula declarar "a opinião pública sou eu", em um momento de arroubo.
Não se pode excluir ninguém em questão alguma que se refira a pensamentos, ideologias, e a imprensa elitista parece que não aprendeu, com os resultados das eleições, que existem muito mais segmentos além daqueles que pensam como eles.
Criticam, criticam, falam e até chegam a conclusão de que o que afirmam é a verdade absoluta, mas quando as suas críticas, suas opiniões, são confrontadas pelo voto representado pela população como um todo, perdem como aconteceu em 31 de outubro.
Não se convence ninguém, a não ser algum ingênuo, com críticas como fizeram durante a campanha eleitoral, e foram muito pesadas, caluniosas, ofensivas. Qual o resultado que alcançaram? Nenhum a não ser a derrota.
É preciso que a oposição perceba que ataques como os que foram desferidos no Senado Federal, por senadores como Arthur Virgílio, Heráclito Fortes, Mão Santa, Agripino Maia, Tasso Jereissati, Álvaro Dias não levam sempre a resultados positivos, prova esta que destes só Agripino Maia se reelegeu e Álvaro Dias deverá ser reavaliado em 2014.
O Presidente Lula foi até ameaçado de levar uma surra por Arthur Virgílio mas quem levou a surra foi ele nas eleições para senador no Amazonas.
É muito fácil a grande imprensa dizer que a opinião pública apoia isto ou aquilo mas a população já esta "vacinada", sabe que nem "tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cái".
Nós, a população brasileira, não aceitamos que simplesmente ouçam as populações que habitam a Avenida Paulista ou a Avenida Copacabana, os que moram em Ipanema, no Leblon ou na Barra da Tijuca sem ouvir também as favelas, as periferias, as regiões Norte e Nordeste, e afirmem que ouviram o Brasil, enfim todo o País deve ser ouvido e daí sim teremos uma verdadeira "OPINIÃO PÚBLICA".
A grande imprensa deve aprender a ouvir a população sem tentar enganar o povo, como fez durante toda a campanha eleitoral.